“Cumpre-me. Sou senhor.
Compre-me. Sou escravo.
Come-me. Sou fruta.
Obsessão do mar. Em terra.
Escravos do mar. Em terra.
Frutos da terra. Em terra.
Enterra.
Suspira. Sabe a baunilha. Chocolate.
Cozinha. Tropical. Cozinhas. Cozinha.
Cozinha insondável. Come-se. Come-se.
A comida come-nos.
Incessantemente.
Desarruma. Desmembra.
Sabe tão bem. Por um momento. Agora.
Tudo está fora do lugar.
Por exemplo, a língua.
Por exemplo, o pé.
Por exemplo, o joelho.
Por exemplo, o nariz.
Por exemplo, o exemplo.”
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS é sociólogo e poeta. É diretor do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, além de Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e doutor honoris causa de várias universidades. Tem livros publicados, em diversas línguas, sobre globalização, sociologia do direito, epistemologia, democracia e direitos humanos. Como poeta, publicou, entre outros, O rosto quotidiano, Escrita INKZ: antimanifesto para uma arte incapaz, Rap global e, pela Confraria do Vento, 139 epigramas para sentimentalizar pedras e Crônicas de Acabária.