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svobóda bachvárova
um momento único
SVOBÓDA BACHVÁROVA,
nascida na Bulgária em 1925, passou sua primeira infância no exílio com o
pai, ativista das brigadas internacionais durante a Guerra Civil Espanhola
e combatente na Bélgica contra o exército nazista, e por este executado.
Gravemente doente, regressou à pátria com sua mãe pouco antes da Segunda
Guerra, e acompanhou a incorporação de seu país à União Soviética. Fez
seus estudos na Faculdade de Filologia da Universidade de São Petersburgo
(na época Leningrado) e se tornou escritora e jornalista. Lutou sempre
pela liberdade de expressão, o que lhe custou perseguições, o confisco e
destruição de alguns de seus trabalhos e a expulsão do Círculo dos
Escritores, numa decisão que a lançava à marginalidade. Jamais lhe foi
permitido publicar em língua russa, mas, com o apoio de amigos, começou a
escrever roteiros para cinema como forma de sobreviver. Sua obra inclui
dezenas de romances, contos e roteiros. A partir dos anos 60, obteve
reconhecimento em seu país e no exterior, recebendo diversos prêmios,
entre os quais o Leão de Prata no Festival de Cinema de Veneza (1964),
Grande Prêmio da União dos Escritores Búlgaros (1970), Grande Prêmio do
Ministério da Cultura Búlgaro (1988). Desde a dissolução da União
Soviética seu trabalho vem sendo resgatado, reeditado com grande sucesso,
e começa a ser traduzido para outros idiomas. Vivendo no Brasil desde
1989, aqui escreveu seu último livro, ainda em término de revisão, e
aguardado com grandes expectativas na Bulgária. Trata-se de um tratado
autobiográfico sobre o século XX.
Para o leitor da Revista Confraria, Svobóda escreveu esse preâmbulo: "Eu
me tornei comunista, como meus pais, quando tinha 15 anos, e participei
ativamente da Resistência antifascista durante a Segunda Guerra. Passei
por um dos campos de concentração dos fascistas búlgaros. Mas após a
Libertação, parti para Leningrado, onde concluí meus estudos
universitários. Foi lá, então, que vi e compreendi a verdade lúgubre e a
grande mentira. Foi, para mim, uma tragédia insuportável, semelhante ao
suicídio... O ano de 1956 significou o início de minha transformação
ideológica e espiritual. Eu me sentia dilacerada entre a memória da
Resistência, com a perda trágica de entes queridos, e a visão de tamanha
deformação dos ideais pelos quais havíamos lutado e pelos quais nos
sacrificáramos tanto.
Esse pequeno volume de contos, eu o escrevi, portanto, ainda naquele
momento de grande esperança, quando parecia que estava em nossas mãos
corrigir a realidade. Mas tudo não passava de uma ilusão amarga e
sangrenta...
Tão logo os editores colocaram nas ruas os 14.100 exemplares do livro,
tiveram a vendagem interrompida por protestos da embaixada soviética em
Sofia, que o qualificou “anti-soviético”, uma vez que desmistificava os
heróis da Resistência antifascista. Todos os exemplares do livro foram
confiscados das livrarias e levados à fabrica de papel para serem
queimados. No entanto, alguns operários que se tratavam com meu marido,
cardiologista, numa policlínica ligada à fabrica, mesmo correndo um enorme
risco, conseguiram salvar algumas dezenas de livros e os trouxeram
clandestinamente ao meu marido.
E assim é que foi salvo não apenas o corpo, mas também “o espírito” desse
livro, que deve ser publicado finalmente no fim deste ano de 2007 na
Bulgária, minha pátria... e do qual publica-se o primeiro conto, pela
primeira vez no Brasil". (traduzido
do russo por Sonia Branco)
Elitza saiu pelo portão
da frente. A escuridão era impenetrável. Seus passos ecoavam sobre as
pedras do pavimento. Era como se estivesse andando por um túnel
subterrâneo, ou melhor, por uma catacumba, pensava ela. De repente,
sentiu-se seguida. Apressou o passo. Os passos que a perseguiam aceleraram
também. Parou. Podia ouvir os batimentos rápidos de seu coração. Pôs-se a
andar de novo. Não é nada, não é nada, disse baixinho, falando só por
falar, mas tinha quase certeza de que alguém a seguia, mesmo sem saber
exatamente o porquê disso. De repente, começou a correr. Corria e queria
gritar, mas só conseguia repetir mentalmente – não é nada, não é nada...
Só parou de correr quando alcançou a rua principal. Seu coração batia
loucamente. Sentia-se sufocada. Devagar e cautelosamente, olhou para traz.
Não viu ninguém.
Começou a andar lentamente pela rua principal. Não tinha nenhuma luz
acesa. A rua estava completamente vazia. Respirava fundo. Acalmou-se com o
passar do tempo. Tinha quase certeza de que ninguém mais a seguia.
Virando, entrou no jardim, em frente dos banhos públicos. Passou pela
alameda, coberta por uma areia que parecia completamente branca, nessa
noite sem lua. Através da folhagem das árvores, brilhava a luz das
janelonas do Clube. O som de várias vozes chegou até os seus ouvidos.
Parou. Pelos portões do Clube, entravam e saíam homens armados. De
repente, começou a rir desbragadamente. Uma certeza absoluta tomou conta
dela – do seu ser inteiro, corpo e alma – a certeza de que ninguém mais a
seguiria e que, dali em diante, ela poderia ir para onde quisesse, mesmo
na noite mais escura do universo, sem ter medo de nada nesse mundo.
Sentiu-se imortal... E transbordando dessa nova e desconhecida felicidade,
ela se pôs a correr na direção da luz que iluminava os homens.
A euforia não a deixou mesmo ao nascer do sol, quando a enviaram para
negociar a rendição dos soldados no quartel. Escolheram-na por ser ainda
uma adolescente, acreditando que não iriam atirar nela, caso as
negociações fracassassem. Quando alcançou o portal do quartel e as
sentinelas lhe fizeram continência, parou por um instante para arrumar seu
uniforme escolar preto. O comandante da divisão, com seu quepe de lado,
homem maduro, grande e rechonchudo, embora ágil, avançou ao seu encontro
em passo de marcha, e depois deu sinal para apresentarem armas.
Informou-lhe que a divisão se considerava aliada da Frente Unida de
Resistência. Isto a alegrou muito. Mas não era o mesmo tipo de sentimento
da noite passada. A euforia não a abandonou quando, depois, sitiaram o
prédio da polícia – um antigo hotel. A multidão lançava pedras, quebrando
todas as vidraças, sem que ninguém saísse de dentro. Só depois que um
tenente apareceu com uma metralhadora, montando-a no alto do prédio
vizinho e abrindo fogo contra a fachada da polícia, foi que finalmente se
vislumbrou uma vara com um pano branco, seguida de policiais e
colaboradores civis, todos saindo enfileirados para se renderem, um atrás
do outro, com as mãos ao alto. A euforia não a deixou quando foi encontrar Slava na ferroviária. As duas se apressaram a contar, uma para a outra,
tudo sobre a prisão de Sliven e Sofia, mas não conseguiam, e riam o tempo
todo. A euforia não foi embora quando, à tarde, todos foram surpreendidos
por tiros, vindos da estrada para Bistritza, e os que estavam na praça
principal da cidade correram para se proteger, alguns se jogando no chão.
Mais tarde, ficou claro que o tumulto se deu por causa do grupo de
combatentes da Resistência que descia para a cidade em carroças, vindo do
alto da montanha. Muitos correram a seu encontro, dando-lhes boas vindas
com tiros para o alto, fato que resultou em pane elétrica geral na cidade
por dois dias, devido ao rompimento, causado por essa euforia movida a
pólvora, de boa parte dos fios suspensos.
Muitas outras coisas lhe aconteceram e a mantiveram alegre e feliz nos
dias seguintes, mas nunca mais voltou a ter aquela emoção da primeira
noite, quando ria sozinha na escuridão do jardim, em frente ao Clube
Comunista. Anos mais tarde, meditando melhor sobre essa experiência, ela a
definiu como a apreensão da liberdade, mas sabia que isso ainda não era
exato, porque a palavra liberdade só poderia refletir com imperfeição
aquela emoção, viva e inconfundível. Nunca contou a ninguém o que tinha se
passado com ela, porque sabia que não iriam entendê-la. Estava convencida
de que não era qualquer um que podia sentir essa emoção, porque a
liberdade é somente um momento único, que se manifesta só como um
relâmpago nas revoluções, e isso para poucas pessoas. Ela se orgulhava de
ter vivido essa graça, a maior de todas.
Traduzido do búlgaro por Elitza Bachvarova e Claudio Gesteira
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