Hoje matei meu avô.
Hoje matei meu avô com uma faca.
Hoje matei meu avô com uma faca sem lâmina.
Matei-o porque ele estava morto. Tive raiva.
Porque não soube ou não quis salvar minha avó.
Ele a viu morrer, sentado em uma cadeira de balanço, e nem levantou uma palha para ajudá-la.
Eu o vi ali sentado e tampouco parei para ajudá-lo.
Não pude, não quis.
Enfiei a faca sem lâmina em seu coração.
Ele me olhou e apenas disse:
– Por favor, olhe para mim.
PAULA BERINSON nasceu em Recife, em 1965. É bacharel em língua francesa e inglesa, com especialização em literatura brasileira. Recebeu o prêmio Cidade do Recife, como ensaísta, e traduziu autores como Flora Tristan (As peregrinações de uma pária) e Madame Van Langendonck (Uma colônia no Brasil). Em poesia, publicou Para sempre azuis são os olhos de meu avô.