Luís Otávio Burnier, o fundador do LUME, sempre nos contava uma história. Em realidade era mais a história de uma percepção. Dizia-nos em manhãs de trabalho e reflexão – após muitos pingos de suor que lavavam a sala verde do LUME – que quando via seu mestre Etienne Decroux em trabalho parecia-lhe que ele havia desenvolvido seu léxico expressivo tão complexo e completo para domar um “leão interno”. Tinha a impressão que Decroux utilizava sua tão geométrica e potente técnica como uma espécie de laço de corda ou chicote de domador para dominar essa força extraordinária que parecia “emanar” de Decroux e que Luís Otávio chamava – metaforicamente – de “leão”. Muitas vezes ao acompanhar alunos de Decroux – dizia ele – percebia até mesmo uma maior precisão de movimentos no espaço, um maior domínio técnico-geométrico-corporal – afinal Decroux já estava com uma idade avançada em comparação com o vigor de seus jovens alunos – mas o “leão” não estava lá. Não sentia o “leão”, dizia ele.
Decroux – com seu “leão” – possui poucas publicações no Brasil. E é justamente essa lacuna que esse livro de Andrea Stelzer começa a suprir, ao falar não somente de sua técnica e legado, mas também de sua influência em um grupo de teatro brasileiro tão importante quanto o Amok, do Rio de Janeiro. Também busca trazer o fazer de Decroux para um pensamento criativo e potente que atravessa nossa contemporaneidade ao pensar outros conceitos de corpo em arte potencializados pela Mímica Corporal Dramática de Decroux.
Não poderemos mais – como o fez Burnier – perceber a intensificação cênica desse leão de Decroux, mas talvez possamos ouvi-lo rugir nas entrelinhas desse trabalho.
Renato Ferracini
ANDRÉA STELZER possui graduação em Artes Cênicas (2000), Pós-graduação em Educação Estética (2004), Mestrado em Artes Cênicas (2008), Doutorado em Artes Cênicas (2013). Todos os títulos obtidos na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professora de teatro da Universidade Estácio de Sá (2019). Professora e encenadora do Núcleo de Artes Copacabana (Rede Municipal, 2000-2019) tendo realizado diversas montagens teatrais estudantis.É membro do grupo de pesquisa "Escritas do contemporâneo" do Diretório do grupo de pesquisa no Brasil CNPQ.