Desse embate surge uma poesia tangida por certa “alma em pânico”, a vagar por “entre prantos”, “panos sujos [e] pântanos”, “encharcada de tédio,/ que sofre muito para chegar/ num ponto qualquer”. No trajeto de quem “habituado [está] a pisar em espinhos”, a paisagem que se descortina, “à noite gris/ no meio de/ lugar nenhum”, pode ser “um descampado de natureza morta” ou “a paisagem ocre” sob “um céu sem vida”, em que “nuvens são nações de ódio”. “Nada é minha/ morada/ Tudo é só pó”, afirma o poeta em “Pária”, cujo último verso – “Nunca alcancei o outro lado” – bem simboliza a errância e a incompletude que frequentemente lhe orientam a pena.
Interessado não apenas em compendiar dúvidas, "Sumário de incertezas" é também profícuo inventário de perdas e interdições: um “salto que nós nunca demos”, uma “estrada/ que nunca/ pisei”, “um porto/ que já não alcanço”, uns “olhos que não dão mirada” e outras denegações são despojos que servem de matéria a uma poética em boa parte brotada da inviabilidade. Impelida por uma “ânsia/ de chegar/ a nenhum lugar”, a lírica de Lauro Marques parece gestada num “intervalo infinito” em que tudo é “olvido e névoa”. “E apesar disso tudo/ (ou talvez por isso)”, essa poesia – “ao mesmo tempo sublime, banal e verdadeira” – aciona sugestivo repertório imagético, responsável em grande medida pelo vigor dos poemas.