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jean baudrillard


o anjo de estuque

 

 

 

IV
 

A água é tão clara
que aceita o jorro
dos bichos.
Tudo é exato
ou avivado
em cena
não longe da compreensão humana
ou sob a foice
sob a cinza
sob as águas-mães.
Os músculos estriados
inervam o chão
revirado. Até a água
tem a inervação
do teor do mal.
E nada é separado.
Tudo é exato como
o sangue sob as unhas.
Assim se alternam
as coisas imaginadas
que circundam seu
próprio vazio, onde reluz
imersa como
cadeira a espada
gestual do
Sol.

 

 

 

VI
 

O avesso do céu
gravado em cobre
e desensolarada a própria água
entre o fim da feira
e o mercado de flores
quando ultrapassamos a imagem
uns dos outros
olhos abertos – mas
sem quebrar a simetria
no entanto
o brilho dos olhos vem
do jogo das idéias contrárias e
da incerteza da vontade, e
se desde cedo nossos sonhos
nos forem explicados – para que
andar a noite inteira?
Até as mais frágeis meninges
das árvores, dos degraus,
de perto ou de longe
é a fidelidade de um só
ou no fingidor, o inverno,
a vergonha feita da
maciez de um corpo
estranho.
Escorcioneiras genitais
e perfumadas
do desejo
a ave sinclinal chama
com seu guincho de harpia
anticlinal da
floresta.

 

 

 

VIII

 

Em cena ou
sob paredes violentamente
iluminadas
mas contidas
e preservadas,
sem nunca tocar o chão
peripécia animal – leveza
peripécia mental – a dança
e as batalhas
nem vitória nem derrota,
a guerra é isso,
e as espirais dos ladrilhos
são essas
de todo jeito – mas
fogem por baixo delas como
um sonho alternativo
cursivo ou discursivo
as linhas de fuga
as superfícies planas
a carne crua, se balança
entre lanternas gêmeas.
E a luz é tão fria
que distingue vinho
e água
num só copo.
São as andorinhas que
voltam de onde vêm.
E o fogo se apaga lentamente
como um fogo que
se apagasse lentamente.

 

 

 

X


Um relógio sem ponteiros

impõe o tempo

mas deixa adivinhar a hora.

A escuridão é simples ou

a contraditória

das cortinas verdes.

A água é macia ao toque

qual morte natural.

Exterior morno é

o alburno dos freixos e

o papo dos galos

friável sob os dedos

e translúcido

sob as pálpebras da máscara

como os élitros das borboletas

mortas – mais morno que

as estratificações interna das íris

o humor vítreo

dos olhos –

quente e assexuada

a noite

qual olho sem cílio

qual janela sem hera

nua e assexuada

a superfície do solo

livre da quadratura das paredes.


 

 

XII


Amarga
nas mãos enluvadas
a luz artificial
o Norte
mas um grito único, a infância
parece garganta nua
o Oriente
a sede e
a satisfação da sede
o calor inteiro
a aberração das forças
o meio-dia do verão –
mesmo vazia a cena conserva
uma saída possível –
no entanto interna é
a falível
sem pensar, e o vento
doce, rente às paredes,
a si mesmo – elasticidade
como por um vidro escuro
desafinado
ou trôpego
o Ocidente
brinquem gritem
nossas unhas são tão grandes
que os quatro cantos do céu
grudam nelas como terra
cavada – e
nem chão nem céu, mas quis
o sol de fora
não só os gestos são
calculados, as próprias mãos
têm ciúmes
uma da outra.
 


tradução de Cristina Abruzzini Werneck Lacerda

e Adalgisa Campos da Silva

 

JEAN BAUDRILLARD é professor de Sociologia na Universidade de Nanterre I, editor da revista Traverses e um dos maiores pensadores da atualidade. Seu livro mais conhecido – Simulacros e Simulação – foi uma das inspirações para o filme Matrix. O Anjo de Estuque (L´Ange de Stuc) é seu único livro de poemas e, juntamente com as fotos que ilustram este número da revista Confraria, está sendo lançado pela primeira vez no Brasil numa belíssima edição da Editora Sulina (www.editorasulina.com.br).


 

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