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aderaldo luciano
de físicos e críticos
1. Outro dia citei aqui na Confraria o físico Alan Lightman. No seu livro
Viagens no tempo e o cachimbo do vovô Joe ele executa um lirismo tal sobre
os fenômenos físicos que chega a ferir os olhos de alguns poetas. Esse
diálogo entre ciência e poesia (leia-se literatura) parecia impossível a
algum tempo. Defendia-se cada coisa em seu lugar. É bem a opinião de
Sílvio Romero: “Deixemo-nos de confusão: uma coisa é a arte, outra coisa é
a ciência, outra a moral, outra a religião. A arte não deve sair de seus
domínios...” Pensando a arquitetura como arte, o que fazer com o
pensamento do Sr. Romero? Que o responda Bruneleschi. E a idéia de Número
Áureo aplicada aos sonetos de Camões?
2. Agripino Grieco sobre Emílio de Meneses: “Com o seu ventre rotundo, o
seu bigode de duelista gascão, e o seu tríplice queixo de glutão
rabelaisiano, Emílio de Meneses valeu por um bicho único em nossa fauna
poética.” Meu Deus, por onde anda a poesia do Sr. Emílio de Meneses e
mesmo as críticas do Sr. Agripino Grieco? De vez em quando a academia
vasculha seu lixo extraordinário e recicla algum papel velho molhado de
húmus, alguma glândula descartada de seus hospitais e, depois de muita
lavagem, polimento e zelo, apresenta-nos a peça como vanguarda e diz-se
que é uma re-visitação. Todos os anos há o revolvimento dos restos mortais
de Machado de Assis e de Guimarães Rosa.
3. Naquela brilhante coleção Fortuna Crítica, dirigida por Afrânio
Coutinho, com seleção e textos de Sonia Brayner, o volume dedicado a
Cassiano Ricardo traz uma polêmica entre Wilson Martins e o próprio
Cassiano. Um desacordo entre a leitura de um e a prática poética do outro.
A coisa acirra a tal altura que chega o poeta a dizer: “... c) Devo
esclarecer ainda que não fui eu quem lhe enviou Jeremias, nem Reflexões.
Não por falta de apreço, mas, por que não o confessar? Por um vago receio
de que W. M. viesse a concordar comigo. Ficaria eu então duvidando de
minha atual concepção de poesia.” Nesse ponto a coleção cumpre um papel
vivificador, depurador. Ler um crítico sendo defenestrado pelo autor da
obra.
4. Já em A arte de escrever, Schopenhauer é categórico, incisivo, azedo ao
elaborar uma trilogia para os tipos de escritores: “ Também se pode dizer
que há três tipos de autores: em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem
pensar. Escrevem a partir da memória, de reminiscências, ou diretamente a
partir de livros alheios. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar,
há os que pensam enquanto escrevem. Eles pensam justamente para escrever.
São bastante numerosos. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de se
pôr a escrever. Escrevem apenas porque pensaram. São raros.” Cabe-nos,
pelo menos para mim, uma reflexão sobre minha inclusão nessas categorias.
Nem vou fazê-la agora!
5. Na Estética Literária, Alceu Amoroso Lima em um tópico intitulado
Literatura surpreende-se com a “massa” de leitores no mundo. Assim: “A
vulgarização da imprensa e a diminuição crescente do índice de
analfabetos, por toda parte, estendem a literatura, cada vez mais, a massa
cada vez maiores da população do universo./ De privilégio limitado a
certas classes e a certos redutos da humanidade — como foi sempre em todas
as civilizações, inclusive na Idade Média — tornou-se hoje a literatura um
patrimônio quase universal, de que participam as multidões em grau
crescente.” Escrito isso em 1945 quando a guerra havia devastado o globo,
o mundo desorientado, tentando juntar seus pedaços, é de extrema
benevolência o grande crítico.
6. Um pouco antes diria Ronald de Carvalho: “Entre nós, porém, onde a
crítica literária é exercida, realmente, por um ou outro escritor de
verdade, é vulgar supor, mercê da filáucia de divertidos papalhões
fantasiados de criticalhos, que a poesia moderna ainda não ultrapassou
brincadeiras do ‘Toi et Moi’ do menino Paul Geraldy. Mal dirigido, em
geral, desconhece o público letrado nomes que são vulgares na Europa e na
América... O resto do mundo para nós é um mistério. Não admira, pois, que
famoso escritor latino-americano afirmasse que a poesia brasileira era um
eterno soneto, continuamente emendado, ora para melhor, ora para pior,
consoante às preferências das novas gerações.” É sério!
7. Alan Lightman: “Alguns anos depois (meu pai), enviou-me uma curiosa
fotografia de si mesmo quando criança, ao lado do vovô Joe, somente os
dois, de mãos dadas em frente a uma casa branca de ripas de madeira. Meu
pai vestia calções; vovô Joe, de bigodes, usava um chapéu, exatamente como
eu o imaginava pelos aromas de seu cachimbo. Escrevi o ensaio e enviei-o
pelo correio a meu pai. Foi quando, milagrosamente, começamos realmente a
conversar um com o outro. E eu, já bem a caminho de tornar-me tão calado
como ele, descobri que através das coisas que escrevia era capaz de me
abrir e de comover as pessoas que me são caras.”
ADERALDO LUCIANO é
paraibano, nascido em Areia, poeta e sushiman.
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