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arménio vieira Lisboa não estava ali para nos saudar
Lisboa – 1971
A Ovídio Martins e Oswaldo Osório
Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.
Eis-nos enfim transidos e quase perdidos no meio de guardas e aviões da Portela
Em verdade éramos o gado mais pobre d'África trazido àquele lugar e como folhas varridas pela vassoura do vento nossos paramentos de presunção e de casta.
E quando mais tarde surpreendemos o espanto da mulher que vendia maçãs e queria saber d'onde… ao que vínhamos descobrimos o logro a circular no coração do Império.
Porém o desencanto, que desce ao peito e trepa a montanha, necessita da levedura que o tempo fornece.
E num camião, por entre caixotes e resquícios da véspera, fomos seguindo nosso destino naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d'inverno.
Construção na vertical
Com pauzinhos de fósforo podes construir um poema.
Mas atenção: o uso da cola estragaria o teu poema.
Não tremas: o teu coração, ainda mais que a tua mão, pode trair-te. Cuidado!
Um poema assim é árduo. Sem cola e na vertical, pode levar uma eternidade.
Quando estiver concluído, não assines, o poema não é teu.
Epopéias
Arma virumque cano (1)… Deixemo-nos de tretas! Versos destes escreviam-se antigamente, quando Eneias e Ulisses, em barquinhos de papel, arrancavam olhos aos ciclopes, rindo nas barbas de Neptuno, um rei de óculos e bengala a precisar de viagra. Ezra Pound, cow-boy e poeta, quis ressuscitá-los. Pensando em quem? Mussolini via-se bem que não. Era um anão gorduchinho, parecido aos que andam nos circos a divertir a garotada. Entre um bicho assim e um homem chamado Aquiles a distância é de uma légua. Canto l'arme pietose e'l capitano (2)… Deixemo-nos de tretas! Nós, a mor de urso. As armas e os barões (3)… Isso era antigamente, quando os Lusos se riam a custa de Baco, rei sem préstimo, bebedor de vinho.
Outros infernos
O Inferno, tal como é descrito em certos livros, com gravuras terríveis, a cores, já ninguém lhe pega, é gracejos de palhaços para entreter a malta. Mesmo o amor que já foi inferno, quando Petrarca e Dante viam Beatriz e Laura na cama com outros gajos – se não viam, então ouviam –, mesmo o amor perdido, afinal tão perto do Paraíso enquanto se teve a ilusão de que o beijo é um exorcismo capaz de assustar o anjo exterminador, mesmo esse, é um inferno excelente para os jornais. Chateia que se farta, faz chorar às vezes e bota-se fora, já não dói. Há os que acham tesouros a sonhar, outros vêem-se belos e até príncipes. São contos de fadas lidos a dormir. No entanto, há infernos sérios, pavorosos, como o vento, ciclónicos, não cabem nos livros, ninguém os pinta.
Derivações Heliofante: filho de um deus chamado Sol. Gosta do arco-íris e do girassol. Quando fode, é por foder. Nunca come. Para quê? Basta um raio para lhe carregar a pilha.
Helifante: tem um hélice na cauda, e caso quisesse poderia voar. Mas não. Cada um é o que é: o condor sente-se feliz lá em cima, porém o sapo coaxa contente no charco.
Leofante: tem o seu quê de leão, mas não quer ser rei. Às vezes sente raiva e um nó na garganta. Porém controla-se e vai embora.
Olifante: tem chifres enormes, mas é mole de pila. Dão-lhe com os pés as damas, mas ele não se zanga, pois sabe que o amor para durar só pode ser o amor de que falava Platão.
Polifonte: não tem pátria, por opção. Tanto se lhe dá que faça sol ou caia neve, nada o aquece ou arrefece. Até gosta de Pasárgada, que, entre outras coisas, é o melhor sítio do mundo para se andar de burro.
Plurifante, Mitofante, Necrofante, Ornifante, Putifante, Androfante, Fenolofante e assim por diante.
Elefante não, porque já existe.
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