revista

 

editorial

e créditos

outros

números

envio

de material

editora

cartas

dos leitores

links

contato

 

 

 

 

 

 

 

 

 

jonathan morley


três lugares

 

 

 

Barroco Ibérico
(Igreja de São Francisco, Porto)

Asteca ou Olmeca, eu olho granito-olho
por um arco de pedra gris. Anéis
de flores de pedras circulares no arco
por cima de minha cabeça. Nenhum ouro.
Outras cabeças dispostas no alto,
animais: Castor, de Labrador,
Yaguara, do Rio de Janeiro:
maiores que esta cabeça minha, encolhida
para adornar grandes lóbulos de orelha.
Nenhum ouro neste totem de pedra.

Em volta, para além do arco
tudo é ouro: celestial,
eu vi tais escritos sobre escudos de penas
quando Quetzalcóatl, cobra plumada
veio do leste como um homem barbado;
ouvi isto quando a meu pai
foi dada uma pena, presa em um círculo
de argila, feito para combater homens-cobra
com caninos de aço: confie tua alma.

A barlavento, contra ondas de ouro,
cinco homens são degolados, em Marrocos:
um – desculpe – pescoço rasgado como tulipa,
dois: cabelo em punho do guerreiro mouro,
olhos arregalados, encarando o ouro,
pobres fúteis mártires do Marrocos.

Em algum espaço diagonal, coisa estranha:
outra cabeça, diferente da minha,
espreita da raiz de uma árvore
onde pendem tantos fantasmas,
e na ponta, a mulher de azul
que acalenta o corpo de uma criança. A cabeça
com gordas amuras de criança
suporta o peso da árvore, e acima
pencas de meninos-nativos, ouro, tudo ouro,
embora algumas tenham calcinado, enegrecido
com a fumaça dos tempos, e abaixo:

as bases do recinto são de mármore,
brancas como a base de uma montanha
e até nas cavernas
crânios têm cicatrizes como troféus
luzindo em negro-nanquim
tagarelando atrás das passagens
descendo à ala mais funda do porão
e ao chão movediço de ossos.

 

 

Spon

 

Crepúsculo, uma névoa nos esmaga,
condensa a fetidez da cidade
no corpo. Grava agri-amargo por dentro das costelas:
lâmpada luzindo através de cones e setas,
árvores se curvam nas igrejas, gramas gralham brancas,
e como terra gestada no frio-amniótico
a membrana d´água reveste uma alfena, fólia, erva
e nosso cabelo. Tudo que se fabrica é úmido.
Poças laminadas como olhos sangrados de peixe.
Como seria possível fotografar tal cena:
hangares em blecaute, o dente perdido de uma rua
onde a buddleja se agacha incorreta; a triste prata
lamenta pela oficina de martelo e fumaça;
inchados pelo casaco de pele, homens de Gormley.

 

 

Decifrando os Eucaliptos

para Derek Walcott
 

 

O continente abriu suas folhas brancas
& nós as marcamos com ganância
eucalipto, melaleuca, tristânia,
palavras alpendres caligrafadas com nós, talvez
como velhas colônias de garranchos de látex
quando tais árvores coram & trincam & desprendem suas cortiças
em camadas, revelando a pele prata
luz ondina sobre os lábios de um rio
ramos cavernosos riscando uma cama-de-gato
árvore-do-fogo, araucária, almáciga, banksia
mas estas eram árvores, as ancestrais dos homens.

Os nativos chamam o deus-rio, Yarra:
ele virá em socorro à tribo. Daqui até aquela
grande árvore: um hectare. Esta: Vitória,
& esta, Maria, o demônio da sífilis...
Comeu bem esta manhã, da carne de alguma
ave rasteira. Eu nomeio este riacho, café-da-manhã.
O céu pisca, abre seu olho lácteo.
 

 

Traduzido por Karinna Alves Gulias e Márcio-André

 

 

JONATHAN MORLEY é o editor da coleção Macmillan Caribbean Writers. Ganhou recentemente o Prêmio Eric Gregory para poetas ingleses com menos de trinta anos e tem versos publicados em The Allotment: new lyric poetry e em Heaventree New Poets Volume 4. Em 2002 fundou uma editora, The Heaventree Press, que lançou alguns estudos e coleções de poetas antilhanos e africanos. A sua última publicação é Charrua and Beyond: poems from Mozambique. Estes dois poemas são recentíssimos, segundo o autor, concluídos em outubro passado, e representam a sua primeira tradução para português.

 


 

voltar ao índice | imprimir

 

 

confraria do vento