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adolfo montejo navas


ruído de fundo I

 


 

intro


A forma de diário, ainda mais quando se declara aberto num lugar público, obriga a um comportamento textual próprio, próximo à fissura do cotidiano. A tensão é sempre essa, equacionar o vai-vem da subjetividade com o chamado mundo, ou o princípio de realidade – sem confundi-lo com a mera objetividade, nem com as suas manias instrumentais. A fresta que inaugura todo diário não tem volta, persegue uma certa abissalidade que foge da respiração narrativa. Aspira a outra vocação mais oblíqua. E não existe linguagem, sem esse pedido: o território fronteiriço no qual as margens se escondem para ser inventadas. Cabe então inscrever uma série de flechas verbais ao redor do alvo do tempo? Dentro de uma coluna chamada virtual? Sirva, como primeiro registro, esta pequena seqüência aforística que chega até hoje, 15 de março de 2007. Continuará.
 

 

janeiro


1. O tempo atrai para a sua gravidade inconsútil.

2. Nós somos os intermediários entre as coisas e o tempo.

3. À região do tempo pertencem todos os lugares.

4. Entre a vida e a nossa existência há relações urgentes mas descontínuas.

5. Viver é fazer coincidir o tempo e o não tempo.

6. Se corremos contra algo é contra a nossa data de nascimento.

7. O tempo nos flecha, com a aquela flecha que saiu de nós.

8. Atravessamos o tempo pelo mesmo lugar por onde ele nos atravessa.

9. O maior desafio continua sendo encaixar as coisas dentro do tempo, como faz a música.

10. Nascemos para preencher um buraco que há anterior a nós.

11. Quase tudo é abono para safras que ainda não sabemos.

12. O tempo pode não existir, mas se move como uma sombra.

13. Ainda estamos excessivamente lentos com nossa velocidade interna.

14. A cada x tempo a alma tem que se reajustar ao corpo.

15. Ó instante! ó alfandegário!

16. O tempo não tolera parasitas.

17. Estamos vendendo barato demais o tempo para a velocidade.

18. Medo de que o passado morra outra vez em nossas mãos.

19. Em troca de velhos e sedentos desesperos, esses céus pacientes e encarnados?

20. Quantas vezes dissimulamos a espera de nós mesmos!

21. Uma estratégia branca: fazer o moto-perpétuo-contínuo.

22. O tempo nos faz pagar seus impostos regularmente.

23. Uma parábola da idade é que os cabelos brancos sejam os mais
resistentes.

24. Há domingos que estão disfarçados de segunda-feira.

25. Icebergs de tempo.

26. Mais da metade de nosso tempo está submerso numa Atlântida que

desconhecemos.

27. Do eterno emana a fonte do sonho.

28. Só o presente tem temperatura própria.

29. Dias onde os quase e os talvez reinam à vontade...

30. Trocamos datas por coisas.

31. Todos os calendários têm rodas.


&


fevereiro


1. Cada dia é um recipiente diferente.

2. Um rio heraclitiano corre pelos espelhos.

3. Tempo ou não tempo, esse é o mais falso dilema.

4. Tão longe do passado como do futuro, agora vivemos no mais estranho Éden.

5. Velhas circunstâncias contempladas já como estrelas.

6. A chegada de uma descendência pertence à pequena história do Paraíso.

7. Unhas, cabelos e dentes, últimas partes a desconfiar do tempo.

8. Necessitamos de mais vento e menos velocidade?

9. Pela agulha do tempo passam verdadeiras caravanas de silêncios.

10. Uma máquina que recicla notícias já passadas.

11. Talvez um destino, aquele que não se vendeu à ilusão.

12. Com o tempo, cada um se converte no pai de si mesmo.

13. Em troca de tempo, coisas, e de mais tempo, menos coisas, e assim
sucessivamente.

14. Os melhores detalhes são os que conseguem enganar o tempo.

15. De vez em quando a memória pede injeções de lembranças.

16. A saudade cura pelo lado que fere.

17. Que é mais cômodo: uma utopia vencida por data de validade ou uma
simplesmente derrotada?

18. A velocidade tem a forma de uma fábula que se multiplica.

19. As promessas não cumpridas pelo futuro passam a um departamento
conhecido como Fogos-fátuos.

20. Quando acreditamos ter chegado a alguma perfeição, ela já não está lá.

21. Periodicamente os erros se reúnem ao redor de uma mesa para conversar
sobre os velhos tempos.

22. Sob a palavra atualidade toda a virtualidade do mundo.

23. A máquina mimética funciona todas as horas.

24. Um relógio que marca os passos de alguém que se aproxima.

25. Porta-retrato: a cada olhar a imagem sonha com desaparecer.

26. A parte maldita do tempo chama-se servidão.

27. Quando se chega a um ápice, do que quer que seja, há que se saltar.

28. Promessas não cumpridas são trabalhos para os deuses.


&
 


março

1. Despertamos contemporâneos e anoitecemos pré-históricos.

2. De nada vale adiantar o tempo às datas.

3. O infinitivo é o verbo (político) que mais engana.

4. Os anos respondem a perguntas não realizadas.

5. O primeiro dia da eternidade.

6. Até o ódio envelhece.

7. O tempo e a verdade acabam se juntando.

8. A velhice dos primeiros passos.

9. Somos as vítimas preferidas dos terremotos do tempo.

10. Há paisagens que sucedem ao olhar do tempo.

11. As teorias querem funcionar como os relógios.

12. Uma forma do tempo está no vento.

13. As mil e uma tardes.

14. Um olhar que conta exclusivamente o tempo.

15. A estranha sensação de que as coisas possam ser notícias só.
 



ADOLFO MONTEJO NAVAS é poeta, crítico de arte, tradutor e curador independente. Nascido em Madri, em 1954, mora no Brasil há 14 anos. Publicou 49 silêncios (2004), Inscripciones (1999), entre outros. Realiza periodicamente mostras de poemas-objeto e poemas visuais.

 


 

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