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carlos nejar
três poemas
desfiladeiro do nome
Conto como caí do medonho desfiladeiro do nome e me ergui. E se as coisas não tivessem existido, Elas próprias contariam. Desaprendi de morrer por estar em viagem e contar é desapegar-se das imagens, até que todas tomem liberdade. Ou formas se aninhem nos ramos da aragem. E morrer não leva a nada. Amar, sim, viver na voltagem de Deus, ou sob a pedrada sibilante da história. A fala é um estampido no rigor mais raro, na surda gramática dos gemidos. Convulsivo o tempo é como um galo e não carrega mais nenhum sentido. E com a fala disfarça o estrangeiro ruído. Morrer não leva nem o morrido. Fica galardoado de vermes e formigas na terra, sozinho e adormecido. Na língua provincial, algum apodrecido saibro de pele e andar, agora é traduzido. E o mito é o limo que retiro do rio empedernido. Conto minha infância, viro com a mente veloz os pés das corças. A fala é um estampido E a linguagem, o tiro.
pelas aldeias
Foi comigo nas aldeias o povo. Estava represado terra da alma adentro, como se a sua candeia nunca em mim apagasse. E ouvi-lo posso, bem certo de que mais nenhum combate há de mudar seu aspecto, embora talvez mudasse com estas rugas do verso que se instalam sem proveito, como se todas voltassem ao rosto de fogo lento. Não precisei cortar lírios, ciprestes da velha Grécia. Nem Xenofonte, baniu-me. Não deixo o povo, sem ir-me e se me vou, todo ele pelo prado é como um filme capaz de correr sozinho. E tão igual a uma pedra, que segue ao fundo da água, minha infância pode ver-me e eu a ela, desfolhada. E cada aldeia é um signo de outra e outra. Quem fala no corpo é apenas alma, como se fosse sacada de adornos a uma só dama. E tão semelhante ao povo, que me segue com sua lâmpada. E a pedra que vai ao fundo, circula à tona, entre as chamas. A pedra que vai na água, é que se descobre em alma.
antielegia do caçador sem
presa
Busquei decifrar as pistas dos animais na pedra e desenhos de patas com argila. E me levava mais à misericórdia, não à ira. Cada sinal regurgitava com o que viveu. E não há enigma capaz de suportar o silêncio. Decifrei a fúria do homem, ali, nos utensílios de guerra que mão foragida traçou. E a história que tem sombras sem face, interfere demais na forma dos sonhos. E os sonhos possuem rostos e olhos dos vivos. E ser humano é caçar os sinais do animal, a morte. Caçar os sinais de Deus.
CARLOS NEJAR é membro da Academia Brasileira de Letras, do Pen
Clube do Brasil e da Academia Brasileira de Filosofia. Recebeu o prêmio
Machado de Assis, da Fundação da Biblioteca Nacional, com o romance O
moinho das tribulações (2000), além do prêmio para a melhor prosa poética
do ano, pela Associação Paulista de Críticos de Arte de São Paulo, com O
poço dos milagres (2005). Publicou, em Poesia, Sélesis (1960), O poço do
calabouço (1974), O chapéu das estações (1978), Memórias do porão (1984),
Elza dos pássaros, ou a ordem dos planetas (1993), Os melhores poemas de
Carlos Nejar (1998), A espuma do fogo (2003), 50 poemas de Carlos Nejar
(2004), entre muitos outros.
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